quarta-feira, 22 de junho de 2011

:: Afinal, o que faz um Fonoaudiólogo Educacional? ::

Faz-se necessário o entendimento do “locus” da escola como lugar coletivo de aprendizagem do ser, do fazer, do conviver, do saber, e que trabalha para muito além da concepção de saúde como não doença, mas, sim, como qualidade nas relações, nas aprendizagens, na saúde orgânica, no ensino ofertado, enfim, de Educação para todos.

Várias são as questões sociais que têm movido a Fonoaudiologia a atuar nas mais diversas áreas, tais como: o direito ao exercício da cidadania da população em estado de vulnerabilidade social, a necessidade de o País reverter os índices de analfabetismo, o direito à atenção à saúde integral e de modo equânime e a importância de se oferecer cuidados de saúde.

No detalhamento do seu campo de ação, a atuação fonoaudiológica engloba práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde nos diversos aspectos relacionados à Comunicação Humana, inserindo-se em unidades básicas de saúde, ambulatórios de especialidades, hospitais, instituições educacionais, domicílios e outros equipamentos da sociedade. 

Nesse sentido, o fonoaudiólogo pode ser considerado um generalista graças à sua ação em diferentes contextos assim como um especialista, em função da enorme carga de conhecimentos específicos que envolvem a atuação em cada contexto (CRFa. 2a Região, 2006).

No aspecto específico de atuação educacional, o fonoaudiólogo pode e deve:

- apropriar-se das informações demográficas, sanitárias, socioculturais, epidemiológicas e ambientais ao redor das escolas, auxiliando na identificação de fatores de risco para o desenvolvimento de distúrbios fonoaudiológicos, mas primordialmente, utilizando esses dados para discutir a oferta de ensino na escola, inserindo na construção do projeto pedagógico discussões que considerem os recursos existentes, ou não, na comunidade, aproximando a realidade ao ensino e, assim, significando a aprendizagem dos alunos.

- buscar soluções para as dificuldades encontradas, inclusive com o estabelecimento de prioridades e planos de orientação e assessoria específica e parcerias com serviços da comunidade e equipes da saúde, potencializando a resolutividade das ações.

- estimular e possibilitar o desenvolvimento de instrumentos que avaliem os padrões de qualidade e o impacto das ações desenvolvidas, em consonância com as diretrizes profissionais.

Os aspectos legais apresentados anteriormente nas Resoluções do Conselho Federal de Fonoaudiologia (No 232/99 , revogada e No 309/05, em vigor até a presente), voltados para a atuação na área de Educação, são resultado de uma construção realizada por fonoaudiólogos que já atuavam em escolas desde a década de 1960, culminando com ações de assessoria, consultoria e administração.

No que se refere ao trabalho fonoaudiológico entende-se que o profissional em sua atuação no âmbito escolar pode desenvolver ações voltadas à consultoria, formação e assessoria.

Na função de consultor, o profissional inicialmente examina a demanda da equipe que atua na escola e a partir das conclusões observadas, discuti e defini com a equipe escolar as estratégias que poderão fazer parte dos procedimentos cabíveis. Sequencialmente, poderá surgir a exigência de uma ação formativa e/ou de assessoria.

A formação é realizada de acordo com a necessidade dos atores sociais envolvidos com a escola de conhecer aspectos relacionados à Fonoaudiologia. Com relação à assessoria, o fonoaudiólogo pode auxiliar/apoiar, a partir de seu conhecimento especializado em um determinado assunto, devendo permitir a construção de ações voltadas à demanda escolar.

O fonoaudiólogo embute na sua atuação uma hibridez que mescla prioritariamente assessoria e administração, envolvendo nesta a importância dada dentro do segmento da Educação à ação formativa nos diferentes segmentos de profissionais existentes e não apenas com os professores. Assim, cada vez mais a triagem, com foco no aluno e na sua normalização, ação baseada na ação da clínica e no paradigma de serviço (Aranha, 2001), é tirada do rol de ferramentas utilizadas e em seu lugar insere-se a participação na equipe multidisciplinar no processo de identificação de necessidades educacionais (Art. 6o, Resolução 02/01, CNE/CEE, 2001).

A parceria Educação e Saúde é assim valorizada, mas dando-se a cada uma o empoderamento que lhe cabe e a tomada de decisão sobre os caminhos a serem seguidos em cada percurso: educacional e clínico. Papéis complementares, de interlocução constante, de natureza de atuação diferente, gerando maior qualidade de atendimento à população e melhoria de ensino, aprendizagem e saúde.

Assim se constitui a ação do fonoaudiólogo educacional despido da ação clínica, mas empoderado de conhecimento: da Comunicação Humana, da Língua Portuguesa, do processo de interação verbal e de outros sistemas de comunicação, da Linguagem como processo de constituição do indivíduo e da cultura, entre outros. O conceito de promoção de saúde imprime-se no conceito de Educação de qualidade para todos. Tal fato gera uma quebra importante de paradigma para a escola e para o fonoaudiólogo que atua em Educação (Aranha, 2001), base para o desenvolvimento da Educação Inclusiva e da Educação de qualidade para todos.

O fonoaudiólogo tem um papel fundamental nesse processo, uma vez que pode contribuir com aqueles que atuam em sala de aula para que re/criem efetivas possibilidades de aprendizagem. Nesse sentido, o profissional pode auxiliar em conformidade com a escola regular e ser empreendedor na produção do conhecimento e facilitador de vivências em grupo entre alunos e professores, professores e equipes gestoras das unidades escolares, propiciando mediação entre o saber elaborado e o conhecimento a ser produzido (Küster; Húngaro; Casteleins, 2001; Silva; Aranha, 2005; Luzardo; Nemr, 2006).

A pesquisa de Ramos e Alves (2008) indica que existe demanda significativa para a atuação fonoaudiológica nas escolas regulares e também de ensino especial, visto atenderem à diversidade humana, da qual as deficiências e diferenças fazem parte. Ressalta que, independente da demanda relacionada aos quadros patológicos, a atuação fonoaudiológica se dá no sentido de potencializar o desenvolvimento da comunicação e também de prevenir possíveis distúrbios.

Em conformidade com César e Calheta (2005), o apoio fonoaudiológico ocorre para potencializar as capacidades dos alunos propiciando melhores resultados pedagógicos e interacionais com professores e colegas, instaurando a relevância da noção de promoção da saúde no contexto escolar. É importante ressaltar que a noção de potencialização das habilidades comunicativas é extensiva a todos os alunos, sejam eles portadores de necessidades especiais ou não.

César e Calheta salientam ainda que o fonoaudiólogo poderá abranger toda a comunidade escolar em suas ações. Ideia que reforça a proposição de diversos atores no contexto escolar, tais como: coordenadores, professores, psicólogos, fonoaudiólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais entre outros, que atuem em conjunto no processo de inclusão escolar e busca da qualidade social (MEC, 2007).

A seguir, algumas das possibilidades de atuação do fonoaudiólogo na área da Educação, dentre outras atribuições, buscando-se didaticamente distribuí-las em categorias de ação:

Ações de Consultoria:
- identificar necessidades formativas das escolas, por análise individual (por unidade) ou coletiva (da Rede), sendo corresponsável na busca de soluções, propondo ações que contribuam para a melhoria da oferta de ensino por parte do professor e da aprendizagem dos alunos;

- levantar e analisar dados da realidade escolar, identificando sua clientela com o objetivo de atuar sobre as necessidades e dificuldades apresentadas pelos educandos em relação aos programas, projetos e ações desenvolvidas na escola, buscando uma maior efetividade, partindo do individual para propostas coletivas de trabalho pedagógico;

- participar dos processos de planejamento e gestão na área de políticas públicas;

- integrar suas ações àquelas desenvolvidas pela equipe de educação da qual participa, priorizando aquelas mais adequadas em face da diretriz do trabalho coletivo;

- elaborar, com a equipe técnica, o planejamento dos programas da Secretaria de Educação e participar do seu desenvolvimento, em termos de acompanhamento das atividades escolares, formação continuada, organização de recursos e serviços, desenvolvimento de projetos e programas, entre outros;

- contribuir para a universalização do acesso ao ambiente escolar, principalmente no que se refere à comunicação;

- implantar e implementar ações para efetivação do Atendimento Educacional Especializado, por meio da organização das demandas, da avaliação das necessidades específicas dos alunos (recursos e apoios), da continuidade do planejamento educacional dos alunos com deficiência, contribuindo para a busca de soluções para a implantação desse serviço assim como das salas de recursos multifuncionais em cada escola;
- participar de reuniões com a equipe para avaliações sistemáticas e contínuas diante das ações desenvolvidas pelo grupo;
- contribuir para o diagnóstico da situação de saúde auditiva dos ambientes escolares, apontando necessidades, pedindo avaliações de aferição de ruído e buscando soluções para contribuir com a saúde auditiva;
- contribuir para o diagnóstico de saúde vocal dos professores, considerando os aspectos acústicos do ambiente, as necessidades postas pelo número de alunos por sala, os aspectos individuais;
- propor instrumentos de avaliação e acompanhamento das ações fonoaudiológicas, em consonância com as diretrizes educacionais, buscando balizadores das propostas efetuadas;
- realizar e divulgar pesquisas e ações referentes à atuação do fonoaudiólogo na Educação;
- supervisionar programas de estágio de estudantes de Fonoaudiologia, contribuindo para a formação com modelos de atuação, acompanhando os estagiários e observando o código de ética.

Ações de Assessoria:
- ser membro de equipe técnica responsável pela formação dos profissionais da escola, por meio de ações com a equipe de gestão (diretor, professor coordenador/ coordenador pedagógico e vice-diretor/assistente de direção), professores e outros profissionais da Secretaria de Educação;

- integrar todas as suas ações às desenvolvidas pela equipe de educação que participa, priorizando aquelas mais adequadas à diretriz do trabalho coletivo;
- participar da elaboração das metas da Secretaria de Educação, do plano de ação da equipe técnica e do projeto político pedagógico desenvolvidos pela escola, contribuindo para a melhoria dos aspectos de comunicação, linguagem, fala, audição e aprendizagem;

- elaborar, propor, planejar e executar cursos, palestras, reuniões e formações continuadas com temas específicos, promovendo maior reflexão sobre a prática pedagógica nos temas afins à Fonoaudiologia;

- elaborar, com a equipe técnica, o planejamento dos programas da Secretaria de Educação e participar do seu desenvolvimento, em termos de acompanhamento das atividades escolares, formação continuada, organização de recursos e serviços, execução de programas e projetos, entre outros;

- contribuir para a universalização do acesso ao ambiente escolar, principalmente no que se refere à comunicação;

- participar da formação continuada ofertada pelo sistema de ensino, para capacitação de professores, professores coordenadores ou coordenadores pedagógicos, vice-diretores, diretores, inspetores, merendeiras, auxiliares de/em educação, utilizando-se estratégias coletivas de ação;

- realizar formação continuada e capacitação específica aos professores do ensino regular/educação especial, quanto aos recursos de tecnologia assistiva e uso de sistemas de comunicação complementares com crianças com ausência de fala;

- contribuir para a ampliação dos conhecimentos dos profissionais da Educação (professores do ensino regular e especial, inspetores, merendeiras, auxiliares de classe, estagiários de Pedagogia, auxiliares de direção, vice-diretores, diretores, coordenadores pedagógicos, orientadores pedagógicos, supervisores pedagógicos etc.), quanto aos aspectos de constituição e desenvolvimento da linguagem, desde a educação infantil até as faixas etárias maiores (ensino fundamental e médio);

- realizar acompanhamento, discussão de caso e assessoria aos professores que realizam o Atendimento Educacional Especializado;

- participar da seleção, capacitação e treinamento de recursos humanos e de profissionais ingressantes na Secretaria de Educação que atuam na escola;

- realizar monitoramento da alimentação em casos de alunos com suspeita ou quadro de disfagia ou com outras questões neurológicas e/ou alimentares importantes, a fim de orientar a escola na adequação de procedimentos e cardápios, encaminhando o aluno para avaliação especializada, quando necessário;

- participar das discussões sobre a adequação de cardápios escolares e das orientações para o momento da alimentação: preparo do momento da rotina, apresentação do prato, adequações de cardápio das crianças com questões alimentares (especificamente os casos com suspeita ou presença de quadro disfágico), adequação de utensílios nas diferentes faixas etárias etc., orientando quanto às funções alimentares esperadas para a idade e patologias.

- participar de campanhas públicas ou programas intersetoriais que envolvam a promoção da saúde (campanhas de audição, de aleitamento materno, de saúde vocal, prevenção da gagueira, dia mundial da voz etc.);

- promover encontros com os professores e equipes gestoras com a finalidade de minimizar e problematizar as dificuldades específicas de alguns alunos;

- realizar encaminhamentos dos alunos acompanhados para exames específicos e/ou acompanhamentos terapêuticos que se fizerem necessários;

- orientar pais ou responsáveis quanto às necessidades educacionais de seu(s) filho(s), de forma a buscar parceria no trabalho pedagógico e as intervenções necessárias em outros âmbitos (saúde, assistência social etc.);

- participar de reuniões pedagógicas conforme necessidades levantadas pela equipe técnica e/ou escolar;

- contatar profissionais afins que atendem clinicamente o aluno, para parceria e busca de informações, quando necessário; 

- participar do processo de avaliação de alguns alunos, discutindo suas necessidades educacionais especiais, as adaptações realizadas e a serem feitas, objetivando o encaminhamento educacional mais adequado;

- oferecer suporte teórico-técnico ao professor, auxiliando-o no desenvolvimento do seu trabalho pedagógico;

- orientar o professor em relação ao uso profissional da voz;

- realizar e divulgar pesquisas e ações referentes à atuação do fonoaudiólogo na Educação.

Ações de Gerenciamento:
- participar de reuniões integradas com as equipes de saúde, para o desenvolvimento e apoio a campanhas intersecretariais (de audição, de aleitamento materno, de saúde vocal, prevenção da gagueira, dia mundial da voz etc.);

- desenvolver projetos e/ou programas de articulação intersecretarias de saúde e educação, contribuindo  ara a integralidade de atendimento ao munícipe;

- participar de reuniões com a comunidade quando necessário;

- contribuir com o diagnóstico da situação de saúde da área de abrangência em que atua, incluindo aspectos que podem interferir na Comunicação Humana (ruído, poluição do ar, falta de vacinação, de acompanhamento pediátrico, presença de maus hábitos orais, de fatores ambientais e de moradia que interferem no processo de desenvolvimento da criança e/ou no seu acesso à escola);

- participar de entidades representativas como conselho municipal de educação, conselho municipal das pessoas com deficiência, conselho municipal de alimentação escolar etc.

- participar, por meio de ações intersecretariais, de outros processos de formação continuada ou discussão da rede de apoio à criança e ao adolescente (conselho tutelar, secretaria de desenvolvimento social e cidadania, secretaria de saúde etc.);

- participar de campanhas públicas ou programas intersetoriais que envolvam a promoção da saúde (visão, audição etc.)

- participar das discussões sobre a adequação de cardápios escolares, no que se refere à organização e suporte ao momento da alimentação, em ações interdepartamentais à Secretaria de Educação (especificamente os casos com suspeita ou presença de quadro disfágico).

O profissional precisa conhecer a missão da instituição de educação em que está inserido, integrar-se aos profissionais da equipe e estar atento à articulação entre os setores da própria Secretaria de Educação, administração pública e outros parceiros possíveis.

Considerando-se todos esses aspectos, fica clara a amplitude das ações do fonoaudiólogo que atua em Educação e a necessidade do profissional integrá-las às políticas públicas de Educação e Saúde, estar capacitado para atuar nessa interface, por meio de formação permanente e/ou complementação da formação profissional.


Fonte:
Fonoaudiologia e Educação: Políticas Públicas e Atuação do Fonoaudiólogo (2010)
Conselho Regional de Fonoaudiologia 


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