Neuroplasticidade e Educação
Se o cérebro é plástico, mutável, como poderíamos aplicar esse
conceito na educação? Não é a educação a prática social que objetiva
mudar as pessoas, capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos,
ensiná-las a executar operações mentais sofisticadas e complexas e viver
em sociedade segundo normas vantajosas para a coletividade? Mudar as
pessoas é mudar o seu cérebro. Sendo assim, existiria uma ciência da
educação? Neuroeducação? Em outras palavras: de que modo os avanços da
neurociência poderiam ser aplicados na educação?
Muitos neurocientistas trabalham para esclarecer e viabilizar essa
possibilidade, e já aparecem alguns resultados de pesquisa que nos
autorizam a pensar em mecanismos cerebrais específicos envolvidos com os
diversos aspectos relevantes para a educação.
Resultados recentes sugerem que há mecanismos cerebrais específicos envolvidos com a aprendizagem
Há poucos meses, a Fundação Dana,
uma organização privada norte-americana dedicada a apoiar a ciência, a
saúde e a educação, com ênfase particular na neurociência, lançou o
número de 2010 de Cerebrum,
um livro anual que debate os avanços e perspectivas dessa disciplina.
Nessa edição, sobressai uma interessante discussão com vários
especialistas sobre as relações entre as ciências do cérebro e a
educação. Dentre os resultados relatados e discutidos nesse livro, dois
me chamaram a atenção.
O primeiro refere-se ao processo conhecido como transferência próxima.
São experimentos realizados por um grupo de neurocientistas liderados
por Gottfried Schlaug e Krista Hyde, do Instituto de Neurologia de
Montreal, no Canadá, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
O grupo de pesquisadores acompanhou durante 15 meses crianças de 6
anos de idade sob treinamento musical, comparadas a outras sem essa
atividade. Mesmo nesse curto período foi possível detectar alterações
cerebrais estruturais nas regiões motoras envolvidas com os instrumentos
musicais empregados (teclados), nas regiões auditivas e no circuito de
integração entre os dois hemisférios cerebrais.
A neuroplasticidade estrutural no cérebro de músicos adultos já havia sido demonstrada anteriormente,
mas persistia a dúvida sobre se o fenômeno era causado pelo treinamento
ou se esses indivíduos eram previamente dotados de maior volume
cortical nas regiões associadas ao processamento musical. No experimento
do grupo norte-americano, isso ficou esclarecido, pois o estudo
comparou as imagens obtidas antes e depois de um treinamento musical de
15 meses.
O termo transferência próxima, utilizado acima, pode agora
ser entendido: refere-se ao efeito do treinamento sobre regiões
funcionais relacionadas à função aprendida. Nesse caso, as regiões
motoras e auditivas são obviamente relacionadas à aprendizagem musical.
O segundo grupo de resultados é mais impressionante, mas menos bem
documentado cientificamente. Aborda um processo mais sofisticado chamado
transferência distante. Aqui, a influência do treinamento (educação) se
dá sobre funções menos relacionadas (distantes).
O treinamento focalizado em música, dança ou teatro poderia fortalecer o sistema atencional do cérebro
Uma avaliação do estado-da-arte nesse aspecto da neuroplasticidade foi feita em Cerebrum 2010 por Michael Posner, professor emérito da Universidade de Oregon, e especialista nos mecanismos neurobiológicos da atenção.
O sistema em questão, neste caso, é o sistema atencional do cérebro,
por meio do qual somos capazes de focalizar nossas operações cognitivas
sobre um único alvo, e desse modo realizá-las de forma mais eficiente.
A ideia subjacente é que o treinamento focalizado em uma forma de
arte que atraia fortemente o interesse de uma criança – música, dança,
teatro – fortaleceria o sistema atencional do cérebro, repercutindo
positivamente na cognição em geral. Para aprender, é preciso prestar
atenção. E pode-se aprender a prestar atenção.
Roberto Lent
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Sugestões para leitura:
F.H. Rauscher e colaboradores (1993) Music and spatial task performance. Nature vol. 365: p. 611.
E.G. Schellenberg (2004) Music lessons enhance IQ. Psychological Science vol. 15: pp.511-514.
K.L. Hyde e colaboradores (2009) Musical training shapes structural brain development. Journal of Neuroscience, vol. 29: pp.3019-3025.
Dana Foundation (2010) Cerebrum. Emerging ideas in brain science. Nova York: Dana Press, 222 pp.
M. Posner e B. Patoine (2010) How arts training improves attention and cognition. In Cerebrum 2010, pp. 12-22.
F.H. Rauscher e colaboradores (1993) Music and spatial task performance. Nature vol. 365: p. 611.
E.G. Schellenberg (2004) Music lessons enhance IQ. Psychological Science vol. 15: pp.511-514.
K.L. Hyde e colaboradores (2009) Musical training shapes structural brain development. Journal of Neuroscience, vol. 29: pp.3019-3025.
Dana Foundation (2010) Cerebrum. Emerging ideas in brain science. Nova York: Dana Press, 222 pp.
M. Posner e B. Patoine (2010) How arts training improves attention and cognition. In Cerebrum 2010, pp. 12-22.
Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/bilhoes-de-neuronios/a-educacao-muda-o-cerebro
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